terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

" A ARTE DE FALAR E SER OUVIDA"

Um trecho do livro "A nova mulher" de Marina Colasanti

"(...)A verdade é que poucos falam porque poucos se sentem no direito à palavra.

Embora falar seja a coisa mais imediata e espontânea em qualquer ser humano, a palavra foi sempre usada pela sociedade de maneira muito mais complexa, e fundamentalmente repressiva.

Todos falam, é verdade, mas nem todos dizem o que pensam. Porque a palavra é veículo dos pensamentos e das vontades, e como tal foi desde cedo restringida àqueles cujos pensamentos pudessem ser de valia à comunidade. E quem estabelecia quais eram os donos dos pensamentos mais excelsos? Os que, pela fé, pelo dinheiro, pela força, tinham o poder.

Vítimas da repressão da fala - Há muito os donos do poder são os homens. E, como tais, há muito são donos do direito de falar.

Tiraram esse direito às crianças(...)

Apesar disso tudo, porém, acontece às vezes de ela querer ter suas próprias idéias. E acontece de ela querer ir mais além, de querer expressá-las com suas próprias palavras, com sua própria boca. É uma audaciosa. Mas, por mais audaciosa que seja, traz a reboque a carga que lhe foi imposta desde o início, a carga do silêncio. E é apenas normal que, no início de sua longa escalada verbal, sinta pequenos ou grandes medos, insegurança, súbita vontade de refugiar-se no ventre seguro da mudez, de voltar à área que lhe é unanimemente consentida(...)"